sábado, 6 de março de 2010

Uma análise da CFE 2010

Por Jorge Ferraz

Ano passado, eu escrevi um post onde eram apresentadas algumas estatísticas sobre o texto-base da Campanha da Fraternidade de então. Este ano, agora que a CNBB disponibilizou a versão eletrônica do texto da CF/2010, eu posso fazer a mesma coisa.
As oitenta páginas do referido documento podem ser baixadas aqui, no site da CNBB. Ao contrário de certas análises de conjunturas que andam circulando internet afora, até onde me conste este é um documento oficial da Conferência, sim.
Eis aqui as estatísticas. A metodologia utilizada é trivial: a caixa de pesquisa do Acrobat Reader. Quando as expressões aparecem “puras”, é porque a busca foi feita por elas ipsis litteris; quando aparece “e derivados”, é porque consultei pelo radical (p. ex., ‘arrepend’, o que engloba tanto ‘arrependimento’ quanto as formas verbais ‘arrependei-vos’, ‘arrependi-me’, ‘arrepender’, etc.).
Os resultados são os seguintes:
  • “Jesus”: 37 ocorrências (“Nosso Senhor”, uma única ocorrência, na oração da CFE).
  • “Católica” e “católicos”: 8 ocorrências.
  • “Conversão” (e derivados): 7 ocorrências.
  • “Oração”: 5 ocorrências (sendo duas vezes no título “oração da CFE 2010″, a do índice e a da página correspondente).
  • “Caridade”: 4 ocorrências.
  • “Esmola”: 3 ocorrências.
  • “Pecado” (e derivados): 2 ocorrências.
  • “Jejum”: 2 ocorrências (e recomendo que vejam quais são!!).
  • “Virgem Maria” (a pesquisa foi feita por “Maria”): 2 ocorrências (“Nossa Senhora”, nenhuma).
  • “Arrependimento” (e derivados): 2 ocorrências.
  • “Sacramento”: 2 ocorrências.
  • “Papa”: 2 ocorrências.
  • “Magistério”: 1 ocorrência.
  • “Penitência”: nenhuma ocorrência.
  • “Eucaristia”: nenhuma ocorrência.
  • “Missa”: nenhuma ocorrência.
  • “Sacerdote”: nenhuma ocorrência.
  • “Calvário”: nenhuma ocorrência.
  • “Cruz”: nenhuma ocorrência.
  • “Trindade”: nenhuma ocorrência.
  • “Santificação”: nenhuma ocorrência (“santificar” tem duas, no comentário sobre o Pai Nosso).
  • “Redenção” (e derivados): nenhuma ocorrência (“Redentor” aparece uma única vez, numa nota de rodapé, em referência – pasmem! – a um livro sobre Martin Luther King, chamado “O Redentor Negro”! Está à página 55).
  • “Confissão” (sacramento): nenhuma ocorrência (há duas referências a “confissão”, na expressão “Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil”, com as maiúsculas por conta da CNBB).
Em contrapartida:
  • “Economia (e derivados): 142 ocorrências.
  • “Solidariedade” (e derivados): 81 ocorrências.
  • “Pobre” (e derivados): 75 ocorrências.
  • “Direito(s)”: 74 ocorrências.
  • “Terra”: 64 ocorrências.
  • “Trabalho”: 56 ocorrências.
  • “Social” (e derivados): 54 ocorrências.
  • “Política” (e derivados): 39 ocorrências.
  • “Mercado” e “Mercadoria”: 30 ocorrências.
  • “Desenvolvimento”: 29 ocorrências.
  • “Povo”: 27 ocorrências.
  • “Miséria”: 12 ocorrências.
  • “Exploração” (e derivados): 11 ocorrências.
Isto é sintomático. No segundo grupo, a palavra que menos aparece é “exploração”; mesmo assim, ela aparece mais do que todas as palavras do primeiro grupo, à exceção de “Jesus”. E até mesmo “política” aparece mais do que “Jesus” neste documento!
Coisas absolutamente fundamentais para qualquer texto que se pretenda servir para o tempo quaresmal, é inexplicável a total ausência de palavras como “Missa”, “Eucaristia” e “Confissão”. Que espécie de preparação para a Páscoa pode ser feita sem que se fale na Santa Missa? Sem que se fale em comunhão eucarística, em confissão dos pecados, em arrependimento? Sem que se fale na Virgem Santíssima? A conclusão é inevitável: este texto não serve para a Quaresma. Não pode servir, porque não trata de temas espirituais. Fica perdido no naturalismo, na horizontalidade, na materialidade estéril – e passa longe das necessidades espirituais dos fiéis católicos.
A julgar por este texto-base, parece ser opinião da CNBB que a Igreja deve, durante a Quaresma, falar mais em exploração do que em oração. Deve falar mais em miséria do que em pecado. Mais em trabalho que em conversão. Mais em política do que em Nosso Senhor.
E isto é muito triste. Se o sal perde o sabor, para quê ele servirá? Até quando suportaremos esta campanha da materialidade, que nega toda a riqueza espiritual do tempo da quaresma, soterrando a piedade católica sob uma profusão de temas naturalistas estéreis? Usquequo, Domine…?

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